O ônus da prova nos casos de responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento do prestador contratado por meio de processo licitatório
- Fernando Luis Girotto Battirola
- 18 de abr.
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Atualizado: 21 de abr.

Para o que interessa essa análise, deve-se analisar os contratos administrativos advindos de procedimentos licitatórios.
Nesse sentido, deve-se levar em consideração o seguinte preceito da Lei de Licitações (14.133/2021[1]):
Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transferirá à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento e não poderá onerar o objeto do contrato nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis, ressalvada a hipótese prevista no § 2º deste artigo.
§ 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
Isto é: a regra do ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema é a responsabilidade trabalhista em face exclusiva do contratado.
A exceção, de outro lado, se dá nos casos de ausência de fiscalização do cumprimento das obrigações dos contratados, oportunidade na qual existe responsabilidade trabalhista subsidiária da Administração Pública.
O Supremo Tribunal Federal, ainda, analisando disposição quase idêntica da antiga Lei de Licitações (Lei n.º8.666/1993), já declarou constitucional o preceito[2].
Nesse sentido, está assentado na jurisprudência nacional a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade trabalhista subsidiária da Administração Pública em contratos administrativos advindos de procedimentos licitatórios somente nos casos em que comprovadamente houve falha na fiscalização do cumprimento pontual das obrigações trabalhistas - caracterizando a sua culpa in vigilando.
A Justiça do Trabalho, aplicando esse entendimento, já expediu o enunciado da Súmula 331-TST[1] que assenta a responsabilidade subsidiária da Administração Pública quando evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da legislação licitatória, especialmente os deveres de fiscalização.
Fixada a premissa da necessidade de comprovação da existência de culpa in vigilando para ficar caracterizada a responsabilidade trabalhista subsidiária da Administração Pública, cumpre definir o ônus probatório.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem admitindo a inversão do ônus da prova em diversos casos em razão da aplicação do princípio da aptidão para a prova, quando diante de empregado - entendido como parte hipossuficiente nas relações jurídicas.
Utilizando-se desse raciocínio, inclusive, em 2024, o TST decidiu que cabe à Administração Pública demonstrar que houve fiscalização a fim de afastar a culpa in vigilando necessária à caracterização de sua responsabilidade trabalhista subsidiária[1].
A princípio, portanto, o ônus da prova caberia à Administração Pública que deveria demonstrar a efetiva fiscalização de seus contratados sob pena de ser responsabilizada subsidiariamente.
Acontece que: i. sendo os atos da Administração Pública presumidamente legais, podendo ser questionados e/ou anulados apenas quando houver comprovação clara de que violam o Direito; e ii. diante do fato de que, sendo a relação analisada contratual e, portanto, estando diante de responsabilidade contratual, a responsabilidade civil da Administração é subjetiva; a responsabilidade trabalhista subsidiária somente pode ser analisada pela imprescindível necessidade de comprovação de omissão qualificada do Estado quanto ao dever de fiscalização imposto pela Lei de Licitações.
Nessa senda, não há, portanto, possibilidade de responsabilização estatal por encargos trabalhistas no caso de alegação ausente de lastro probatório suficiente e, muito menos, nos casos em que se aplica a inversão do ônus da prova. Há, sempre, a necessidade de provar o comportamento negligente e/ou o nexo de causalidade existente.
Outra não foi a decisão do Supremo Tribunal Federal que, nos autos do Recurso Extraordinário 1.298.647/SP[1], estabeleceu que, litteris: “[...] Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. [...]”.
Ante todo o exposto, é possível concluir que somente é possível caracterizar a responsabilidade trabalhista da Administração Público, nos casos envolvendo Contratos Administrativos decorrentes de procedimentos licitatórios, quando houver prova efetiva da sua omissão ou falha no cumprimento do dever de fiscalização, não podendo ser aplicada a inversão do ônus da prova.
[1]“DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRABALHISTA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ENCARGOS TRABALHISTAS GERADOS POR INADIMPLEMENTO DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS CONTRATADA. ADC 16 E RE 760.931. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA AUTOMÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO GENÉRICA DE CULPA. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DÉBITOS DE TERCEIRIZADOS AMPARADA EXCLUSIVAMENTE NA PREMISSA DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso extraordinário interposto para discutir a possibilidade de transferência do ônus da prova à Administração Pública quanto à comprovação de ausência de culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas em contratos de prestação de serviços, visando à atribuição de responsabilidade subsidiária. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se, nos casos de inadimplemento de encargos trabalhistas por empresa prestadora de serviços, a Administração Pública pode ser responsabilizada subsidiariamente com base em inversão do ônus da prova, independentemente de comprovação de culpa in vigilando ou in eligendo. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência do STF reconhece a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/1993, que veda a transferência automática da responsabilidade ao poder público, exigindo, para tal responsabilização, a comprovação de conduta negligente na fiscalização dos contratos firmados com empresas prestadoras de serviços. 4. Nos precedentes fixados no RE 760.931 (Tema 246/RG) e na ADC 16, a Corte destacou a necessidade de prova da conduta culposa da Administração Pública, afastando a aplicação de inversão do ônus probatório para fundamentar a responsabilização subsidiária. 5. O reconhecimento da culpa exige demonstração específica de que a Administração, mesmo após ter sido notificada formalmente sobre o descumprimento de obrigações trabalhistas pela empresa contratada, permaneceu inerte, omitindo-se em adotar as providências cabíveis para assegurar a regularidade contratual. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso extraordinário provido, com afastamento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública. Tese de julgamento: “1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. 2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo. 3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança e higiene e salubridade dos trabalhadores quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei n. 6.019/74. 4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei n. 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei n. 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.””. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.298.647/SP. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nunes Marques. Julgado em 13 fev. 2025. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=786088704>. Acesso em 19 abr. 2025.
* Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui a consulta a profissionais especializados para a tomada de decisões específicas.




